domingo, 12 de julho de 2020

Laxante.




Ah se eu pudesse dizer o que calo
Tudo que a educação me impede
Educação e moral
Censura mental, vulgo bom senso
Esquecer quem é quem
“Sabe com quem está falando?”
Sei, seu resto de gente
Rascunho rasgado roído
Pelos ratos da Central
Não importa de quem seja filho
Seja marido, esposa
Filho da pulga que fosse
Ouviria, teria que ouvir
Sem opção, nem para onde ir
Observariam ser diminuído
Reduzido a uma fração de canalhice
Ainda mais ínfimo que a própria dignidade
Empatia? Somente aos empáticos
Seria por respeito a todos, em nome de todos
Diria tanta coisa
Regurgitaria em nome de milhares
Seria um momento catártico, depurador
Memorável aos passantes
Gravado e viralizado em segundos
Dentre fãs e carrascos, eu relaxaria
De ombros aos sensatinhos da vez
Ou um cremoso “phoda-se” a eles todos
Com “ph” mesmo, para ser clássico
Com ênfase na primeira sílaba para ser cirúrgico
Como uma mão aberta
Estalada nas fuças
Marcando os cinco dedos
Defensores da moral conveniente
Da educação silenciosa
Chamam de respeito a conivência
Leis cúmplices
Mandaria todos para a casa do queralho
Não me falem em postura
Não me falem em tolerância
Não há tempo para isso
Gritaria, “Cansei!”
Explosão, copo virado
Essa indiferença me vira o estômago
Deboche sem talento, sem vocação
Sinto raiva mesmo
Esse escárnio todo me consome
Esgota-me
Calo minha voz
Meu espírito vocifera
Minha mente não sossega
Meu peito sangra
E o mundo samba
Não dá... .
Não posso...
Mas se eu pudesse... .

sábado, 23 de maio de 2020

Desassossego.


Os demônios dentro de mim
Habitantes conscientes que são
Correm desesperadamente toda noite
Fazem festa madrugada adentro
Esvaziam a minha limitada adega
Melhor, meu boteco, coitado
Danados eles, viu
De porre, gritam
Escândalo na sacada
Discutem minha vida
Fofoca pouca é mentira
Só dos medos, falam por mais de hora
Crudelíssimos, esses filhos da mãe
Procuram e encontram
Expõem até as vísceras
Nada discretos
Não quero lembrar
Não quero nem ver
Muito menos falar sobre
Que saco, capetinhas dos infernos
Em vão, eles não param
Querem decorar o salão
Pegam bexigas, cores variadas
Enchem a plenos pulmões
Ignoram os limites
Regozijam-se ao explodi-las
Quando será o próximo estouro?
Ah, isso acaba comigo!
Terrível ficar na expectativa do som
Assusto-me a cada novo.
Surpreso, assustado, ansioso
Lá vem eles de novo
Agora com a tinta de sempre
Verdades em tons fortes
Piores em caixa alta
Duras e fluorescentes
Dedicam-me algumas delas
Sem indiretas, dizem eles
Trabalham sempre com foco na jugular
Prefiro assim
Cirúrgico
A noite segue e a farra não acaba
Vejo o teto, a parede, quando, de bruços
Não adianta, estão sempre eufóricos
Até a mobília eles mudam
Desdecoradores de ambientes também os são
Cadeiras pra lá, sofá, aqui
Eu de ontem, de agora
Troca tudo, muda, tira e afasta
Uma zona, tenho que dizer
Fico revirado
Pelo avesso
Abrem os armários
Espalham a poeira de debaixo do tapete
Maquiam os cômodos com o pó
Que eu deixei acumular
E não satisfeitos
Reviram minhas gavetas todas
Jogam todas as peças em minha cara
Sem nenhum respeito
Vejo cada uma delas
Penduradas em meu nariz
Diante dos meus olhos
Não sei como conseguem
São incansáveis essas figuras
Uma energia que não tem fim
Pique invejável
A noite inteira
Até o meu sono chegar.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Breu.


Os dias amanhecem os mesmos
A olhos nus e inocentes
Optantes pela cegueira
Ofuscados pelo sol
Manhãs de luz ou não
Nada os atinge
Nem os toca, sensibiliza
A dor comum
Do inevitável fim de cada um
Caminha a passos largos
Esgueira-se em qualquer esquina
Na soleira da porta
Debaixo dos sapatos que visitam
Nos braços que edulcoram a saudade
Na boca que mata o desejo
Ansiamos pelo simples
Perdemos o toque
As horas passam, mas pouco muda
O ar que nos falta é muito
E a febre, sintoma do caos
Pandemônio, descaso
A noite cai para qualquer um
Do morro ao asfalto
Da lata ao ouro
Toda lágrima tem o mesmo sal
Cada inexistência é um livro encerrado
A dor de lá sinto aqui
Privados da despedida
Ceifados da chance de vida
Condenados, coitados
A penumbra não cessa
Astro-rei nenhum clareia
Estrelas não guiam
Só a cavalaria avança e leva
Puxa e arrasta pelos cabelos
Despertamos para um novo dia
Azul do céu, vento ameno e nuvens brancas
Porém, a noite continua
Álgida dia após dia
Sem data para amanhecer.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Farol.



Poderia ser pior
Como se fosse possível
Mas, é
Seria ainda mais desastroso
Imprecisões nos encurralam
Pavores renováveis
A agonia solidifica-se
Asfixia-nos sem piedade
No presente, temos medo
E temo temer por muito tempo
Temeremos, que jeito
O jogo mudou
Perdemos as cartas
O vento carregou
Trouxe-nos um verso
Não faça planos
Poupe-se da frustração
Salve-se da dor
Ainda dá, ainda é possível
Atenha-se ao afago do agora
Enrole-se nesse calorzinho
Pode ser passageiro, quem sabe
Ter consciência tornou-se um fardo
Saber hoje é dor
Queria viver obtusamente
Alheio à realidade, que nos é vilã
Junto dos novos conterrâneos
Bestas que são; felizes
Assertivos
A estupidez anestesia
Tolice e cachaça são sinônimas
Quero um porre de imbecilidade
Esquecer do horror
Da atrocidade de um quintal de egoísmos
A fobia pelo fim inevitável
Poderia ser pior
Tua figura
Seus olhos e sons
Minhas memórias nossas
Minhas esperanças concretas e vagas
Meus planos nossos
Ânsia de vida, minha e tua
Filete de sol
Fagulha
Rumo
Norte
Poderia ser pior
Doeria mais
Faltaria tanto
Sobraria nada

terça-feira, 7 de abril de 2020

Digressão.


Acordar de novo
Novo há nada
Em lugar nenhum das novidades
Não há tempestades maiores
Nem tormentas tantas
Acordar é o exercício constante
Cansativa rotina de existir
O ter que de todo dia
Estar, dizer e respirar
Pagar, chorar e esperar
Às vezes, quero apenas parar
Sentir os meus eus aquietarem
Deixá-los no sol para quarar
As tantas forças de seus dizeres
Sons de vozes diversas
Sonoridade enfadonha demais
Excessivamente pesada
Tudo isso me suga;
Esgota-me.
O silêncio grita mais do que eu calado
Meus espectros de ideias
Planos falhados, nem tentados
Ou tentados e falhados
Misturam-se com esperanças vagas
Mas ainda há, algumas.
O mundo ou o universo comunicam
Prostramo-nos diante da praia brava
Proibida e imperiosa
Obrigatório nosso mergulho diário
E vou às gargalhadas
Sorrir para a onda que me engole
Quero chocalhar da água que engulo
Afoga-me e eu regozijo.
A vida e seus vieses.
Sou obrigado a achar graça da dor
Não me deixam penar
Doer pela dor e somente por ela
Nem se eu quisesse
Nem doer eu poderia
Tenho que debochar
Zombetear minha razão de ser
Anestesiar o pranto
De talvez não chegar a ser
Contentando-me ao quase
Ou à esperança de um dia.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Enfrentamento.


Animal insaciável é o medo
Alimenta-se demasiadamente
Suga as luzes
Apaga as estrelas dos olhos
O farol da alma é abatido
Defende, protege
Afasta, impede
Cerceia as sensações
Bota as experiências pra correr
Impede a vida de ser
De sermos
Amantes
Amados

Que temor é esse?
Medo nenhum tolhe o amor
O carinho e o toque natural
Carinhos iluminados pelo sol
Com as lâmpadas sobre a mesa
As luzes do poste
Os pombos da praça
A rua, o céu, o sol e a lua
Até Vênus, que radiante se apresenta
Todos testemunhas do amor
Conspícua exibição de ternura
Que crime cometi?

Que pavor é esse?
Palavras agudas
Olhares de morte
Essencialmente, ódio
Néctar de cólera
Pega como uma paulada nas costas
Uma garrafa no rosto
Doesto gratuito
Sofremos todos
Vis
Covardes

Que medo é esse?
Fuja do medo
Atrai a noite
Abrevia o dia
Encurrala-nos
Liberdade é viver sem receios
Vida é ter liberdade
É fácil
É claro. Todos notam
É humano, meus caros
É natureza, pura e arbitrária
Não há escolha
Há obrigações
faceemos a onda de fel
No peito
Nós a britamos.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Simples.

Na falta de inspiração
Vem a mim teus gestos
Impulsos de carinho
Ventos de afago
Toques macios
Ternura que envolve os dedos
A palma da mão
Os braços no abraço
Fechando-me do mundo
Guardando-me em teu peito

Na falta de inspiração
Vem a mim a tua voz
Tropeçada
Ansiosa, vibrante
Saltam palavras alegres
Som de festa
Empolgam-me teus sons
Ofegante, por vezes
Ouvir-te é alimento
Degusto tuas sílabas

Na falta de inspiração
Vem a mim o teu silêncio
Toma-me uma força
Um conforto desconhecido
Acolhido estou desde então
São apenas sensações
No ar, atrativas
Energia robusta reveste-nos
Imã diria
Junta-nos os corpos

Na falta de inspiração
Vem a mim o teu olhar
Um mergulho profundo no brilho
Calo-me na íris
Janela aberta da alma
Combinado com as expressões
Espetáculo para mim
Oceano de mensagens lhe vem
Mudo. Para quê palavras?
Leio em teus olhos.

Na falta de inspiração
Tu vens a mim
Sorrindo tímido
A bobeira típica, ficamos bobos
Simples satisfação de estar
Grande, único, raro
Com seu toque de ternura
Segundos ante risos
Levou-me para longe
Terra de paz e pertencimento
Ensinou-me
Aprendi
O amor é fácil.