terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Rebuliço.


Que grande bagunça
Um pandemônio particular
Meus aposentos íntimos
Mente, alma e corpo
Tudo, tudo fora do lugar
Gavetas no chão
Peças espalhadas
Uma bomba faria menos
A tempestade devastadora
Sem precedentes e sem aviso
Aí eu pergunto:
Pra quê tanta violência?
Bastava questionar onde estava
E eu mostraria
Precisava jogar tudo no chão?
Qual é a necessidade de tanto?
Quebrar coisas, preciosas até
Outras raras, únicas
Nem adianta, não as achará facilmente
Talvez, nunca as ache
Mas, já era. Perdeu.
Perdeu o equilíbrio
Esqueceu-se do óbvio
Levou-se pelas trevas
Desceu o morro a baixo.
Jogou tudo pro alto
Assistiu à queda de cada peça
Cego, nem ligou
Ignorou as consequências
Agora é isso aqui
Essa zona toda
E eu para arrumar
Os armários, cômodas
Gavetas, dezenas de gavetas
Abertas, mexidas. Misturadas
Haja força
Haja paciência
Haja tempo
Para recolocar
Tanto, tanto, tanto e tanto
De volta ao seu lugar.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Descarte.


O que quero
Todos querem
Dizem querer
Querem querer
O querer do querer
Querem o apolíneo
A beleza grega no mármore
O brilho do cristal
Rara reluzente
O céu mais azul
Sem filete de ar
O sol desnudo
Raios cortantes que colorem
Todos querem
Dizem querer
Querem querer
Não querem
Ideais tão somente
Não querem o que há
Não querem quem quer
Não querem o que vier
E vem
Querem querer por querer
É bonito querer
Soa bem querer
Admiram por querer
Não querem o que tem
Querem outro
Querem mais
Querem o limite da eternidade
A fronteira derradeira
Mais alegria, euforia
Querem sentir o que lhes falta
Só assim para saberem
Vida curta esta vida
Todos querem
Dizem querer
Sério o rapaz, hum?
Quero
Quero o humano
O comum me encanta
O único me espanta
Em linha reta sem curvas
Coloquial e ordinário
Sem edições limitadas
Apenas o simples
Que não é simplório
Apenas fácil de viver
Aquele que basta
Olhar e saber
Sim, é sim
Não, jamais
Eu também
 Sim.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Brevidades.


Falemos sobre fins
Da linha, do prazo
Do suplício, da dor
Da semana
Da vida
Nascemos para morrer
Fim certo
Inescapável destino temos nós
A existência finita
A única que não tem solução
Ela chega, chegará
Cedo, nunca tarde
Antes do tudo
A fazer, a dizer
A viver
Por que guardamos sorrisos?
Por que contemos risadas?
Por que aguardamos o momento
Que julgamos ser o mais certo
Para dizer o que queremos
O que tememos
O que queremos
O que sentimos
Legitimamente
Oras, se é verdade
Pra que limitar a boca
E calar seus sons ansiados
Tão esperados, e como!
Por que guardamos os presentes?
Por que poupamos os elogios?
Por que tememos as felicidades?
Por que nos acomodamos com as lágrimas?
Fazer da tristeza rotina
Por que deixas o que quero ouvir
Para depois, para amanhã?
Queres também, tu disseste.
Que amanhã pode haver?
Que momento pode acontecer?
Garantia de ter a outra chance
Quem a garante?
Trabalhamos com incertezas
Apenas pode ser
Talvez será
O fim é o certo
Nosso ponto final está garantido
Certeiro é o claro da  manhã
O escuro da noite
O resto apenas talvez
A vida é veloz
É breve
Somos breves
Curtos, tão miúdos
O meu querer eu digo agora
A minha dor explano agora
O meu amor declaro agora
O meu abraço te dou agora
Não quero o destino
De manter em mim
Os presentes da minha alma para ti
E chegar atrasado
Tarde, muito tarde
Tarde demais
Breves, já disse
E tu, nós
Somos também.
Sejamos
Agora.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Aurora.



Caminhando pela rua
Dia de sol, sabe?
Agradável brisa, céu limpo
Quente apenas.
Bom, confortável
Atento, sempre
As vidas que passam por mim
Marcam-me pelos olhos
Braços e bocas
Passam, apenas passam
Acho que nem queria que ficassem
Sem propósito, sem querer
Foram-se
Como devia ser
Sempre atento
Sobejo de cautela
Todo e qualquer movimento
Estava de olho
Já tive minhas fases de queda
Cada uma pior do que a outra
Uns roxeados tenho ainda
Já esverdeando, curando
Nem doem mais
Daí, andando e andando
Transitando pelas ruas da certeza
Esquina com a avenida controle
Tombei
Tombei sem cair
Nem tinha notado que era noite
Só notei porque
Ao despertar
O sol estava a nascer

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Vida.

Lembro-me de tudo
Posso começar?
Sei toda sorte de detalhes
A luz do poste era laranja
Iluminava o exato trecho da rua
Que atravessamos
Apressadamente.
Era tarde, e a violência urbana?
3:00 da manhã não é para os fracos
Naquele cruzar de ruas
Seu vocativo me penetrou
Desmontei de pé, como fiquei
Parecia que sempre estive ali
Com você, de você
Que dupla, na noite
Os risos eram tantos
De minha parte, embriagados
A felicidade foi o meu ópio
Tudo parecia tão divertido
Em meio a estranhos, quem diria
Eu, capricorniano antissocial
Velha guarda dos unidos do sofá
Sócio interino no clube dos calados
Lá estava eu, alegre como se a vida fosse apenas aquilo
Uma longa noite curta curtida
Regada a amizades, vidas e amor.
Pertencimento me definia
Ao pegar minha mão, ah, quando...
Podia me levar onde quisesse
Puxar-me correndo pelas ruas claras e escuras
Vielas da boemia carioca
Que risco? Que medo?
Confiava completamente em você
Sua direção seria a mais segura.
O conforto que sentia em teu olhar
Eu o via sem ar de novidade
Sem receios ou cuidados
Fomos nós mesmos sem rótulos
Sem cascas, máscaras ou escudos
Não nos protegemos da onda avassaladora
Corremos para ela sem mergulhar
Abri meu peito para o espelho d’água
Deixamos arder o soco, o tapa.
Levantamo-nos juntos
Sabedores do impacto
Cientes do encontro
O reencontro de nossas almas
Há tempos ocorrido
Há tempos esperado
Sem saber, soubemos lá
Sábado fim, Domingo novo
Nos braços de quem sempre me esperou
Origem
Estaleiro de mim
Cais de partida
Saí
Não volto mais.

domingo, 17 de novembro de 2019

.


Seriam caracteres ordenados em palavras
Listados alfabeticamente em ordem
Encadernados em capaz dura
Seria um livro finito capaz de traduzir
Todas as palavras?
O léxico limita os sentimentos
Nem tudo tem nome
Nem tudo se traduz em letras
Ou expressam-se em papéis
Por vezes, sentimos algo
Tentamos traduzir, explanar
Fazer-se compreender
Queremos recitar aquele tremor
Lança fincada no peito sem dor
Com sequências de letras limitadas.
Temos a necessidade de explicar
O que não tem explicação
Nem verbete
Nem registro
Não criaram a palavra
Ansiedade? Não.
Tensão? De maneira alguma.
Amor?
É pouco
Muito pouco
Limitante
Simplório até
Usado ao léu
O que sinto ainda não se chama
Nem teria talento para criar seu termo
A fome da saudade
Do mal em conflito no paraíso
O final do destino de outrem
O beijo na testa
A mão na perna
Plenitude?
Não... é pouco.
Sensações desconcertantes
Deliciosamente sentidas
Sabedor é o corpo, meu; teu.
Poderiam ser choque, descarga elétrica
Mas não
Ainda menor
Reles e óbvio
Para que avaliar?
Sentimos e pronto, oras
Para que definir?
Basta sentir.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Completo.


Metades não me interessam
Partes de fatos não são fatos
Até mentiras são inteiras
Não sei lidar com meias
Verdades
Todas
De cabo a rabo
Terços, quartos, salas
Cômodos definidos, por favor
Pedaço de gente é um nada não assumido
Sempre fica a pior parte
As sobras que ninguém deveria se contentar
É o absoluto que importa
Cabal e ileso
Não precisa ser perfeito
Basta ser pleno
A fatia de pensamento para mim
Pouco espessa, um véu
A lasca de coração que para mim separou
Frações de dias esparsos
A quem seja de direito
Àqueles que se satisfazem
A mediocridade como ração da humanidade
Alimento moderno e barato
Fiquem com seus fragmentos de amor
Micas de atenção
Fanecos de conversa
Farelos de voz
O pouco veste-lhe bem
Limitados, limitantes
Embebidos na mesquinharia
Tais vestimentas, sou alérgico.
Estão abolidas
Sou pela nudez.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Rebelião.


Não posso diminuir minha sensibilidade
Mediocrizar o meu sentir
Reduzir meu tato
Sangrar os olhos e o peito
Sinto de forma aguda
As vísceras entrelaçam-se
Um ritmo insano de pressa
Maior do que parece
Mais intenso do que percebes
Não aceito, mas vivo.
A dor é doída no limite do suportável
Choro de morte, pelas mortes
Defuntos vivos ou não
Mortos-vivos, infelizmente
A estupidez como enfermidade friamente grave
Duramente feroz
Raiva mais desilusão mais pobreza
Violência com lágrimas
Sal em olhos de frequentes salinas
Não param de temperar os cílios ou olhos ou a alma
A revolta potencializa a voz
Lubrifica as cordas vocais da conclamação
Ecoa um grito de rasgo abrupto
Escândalos particulares que já tive
Enoja-me a abstenção
Covardia enervante essa
Vergonha... vergonha.
Essência do escárnio
A voz não cala
A mente não deixa
Que me ouçam
Que me julguem e condenem
A pena me justificará
E me lembrará lembrando a mim
Orgulhosamente
Que tentei.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Mutismo.

Hoje os sons me incomodam
As vozes me doem
Freadas ou motores
Travas no peito aberto
Ruídos avessos
Grunhidos de pássaros
Importuna-me a rua surrada
Calçada de sulcos
Vincos dos rostos no chão
Folhas secas pesadas
Som espalhado, insistente
Sopro adentro
Vento intenso falador
Uivo fantasmagórico de agonia
Súplica, lassidão
Sono, preguiça
Fracassos de papel
Sonhos de gelo
Pegadas na areia
Brevidades apenas
Hoje queria o silêncio
Absoluto e incolor
Calar minhas vozes
Meus algozes
Já vitoriosos
Perdi.