sábado, 23 de maio de 2020

Desassossego.


Os demônios dentro de mim
Habitantes conscientes que são
Correm desesperadamente toda noite
Fazem festa madrugada adentro
Esvaziam a minha limitada adega
Melhor, meu boteco, coitado
Danados eles, viu
De porre, gritam
Escândalo na sacada
Discutem minha vida
Fofoca pouca é mentira
Só dos medos, falam por mais de hora
Crudelíssimos, esses filhos da mãe
Procuram e encontram
Expõem até as vísceras
Nada discretos
Não quero lembrar
Não quero nem ver
Muito menos falar sobre
Que saco, capetinhas dos infernos
Em vão, eles não param
Querem decorar o salão
Pegam bexigas, cores variadas
Enchem a plenos pulmões
Ignoram os limites
Regozijam-se ao explodi-las
Quando será o próximo estouro?
Ah, isso acaba comigo!
Terrível ficar na expectativa do som
Assusto-me a cada novo.
Surpreso, assustado, ansioso
Lá vem eles de novo
Agora com a tinta de sempre
Verdades em tons fortes
Piores em caixa alta
Duras e fluorescentes
Dedicam-me algumas delas
Sem indiretas, dizem eles
Trabalham sempre com foco na jugular
Prefiro assim
Cirúrgico
A noite segue e a farra não acaba
Vejo o teto, a parede, quando, de bruços
Não adianta, estão sempre eufóricos
Até a mobília eles mudam
Desdecoradores de ambientes também os são
Cadeiras pra lá, sofá, aqui
Eu de ontem, de agora
Troca tudo, muda, tira e afasta
Uma zona, tenho que dizer
Fico revirado
Pelo avesso
Abrem os armários
Espalham a poeira de debaixo do tapete
Maquiam os cômodos com o pó
Que eu deixei acumular
E não satisfeitos
Reviram minhas gavetas todas
Jogam todas as peças em minha cara
Sem nenhum respeito
Vejo cada uma delas
Penduradas em meu nariz
Diante dos meus olhos
Não sei como conseguem
São incansáveis essas figuras
Uma energia que não tem fim
Pique invejável
A noite inteira
Até o meu sono chegar.