segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Desculpe-nos, professora Márcia.


Olhem bem para o rosto dessa professora, meus caros.

Esse olho inchado é nosso; esse sangue que escorre também é nosso. Não digo isso por eu ser professor, de jeito nenhum seria apenas por isso. Digo isso porque vivo em um país que gera um adolescente como esse, que agrediu a colega em destaque.

Afinal, um país que cria um adolescente capaz de socar o rosto de sua professora senhora dentro da escola é o mesmo que tem um político como Jair Bolsonaro em ascendente crescimento nas pesquisas eleitorais para presidente; e o mesmo país que alimenta uma polícia assassina acostumada a espancar o morador e a receber o “arrego” do tráfico; é o mesmo país que tem um congresso composto por corruptos orgulhosos de suas práticas maledicentes. Isso tudo porque, como já dizia o sábio Darcy Ribeiro, vivemos em um país cuja “crise na educação não é uma crise, mas, um projeto. ”

A cada dia que passa, deparamo-nos com os frutos desse projeto. Estamos colhendo esses frutos podres. Hoje, quem colheu foi essa professora. Uma maçã com peso de uma bigorna caiu sobre seu rosto enquanto olhava para o céu.

Começo a chegar à conclusão de que o Brasil não é um país de contrastes, como costuma-se dizer, mas, um país bastante uniforme. Nada aqui funciona. Nada aqui foi feito para dar certo. A roda não foi feita para girar; e não gira.

O Brasil de 2017 é o fruto de uma engenharia maligna, que tem uma aparência de efetividade, mas que, por trás do ralo verniz, está o arraigado interesse pelo não acontecimento. O Brasil não dá e nem dará certo porque nossa estrutura já foi criada para ser falha. E no quesito “ser falha”, obtém nota máxima todos os dias.

Já o povo diz estar acostumado e acomoda-se. Todos nós temos uma parcela de culpa pelo trauma que minha colega passou.

Desculpe-nos, professora Márcia. Esse país não te merece.


https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/professora-agredida-por-aluno-apos-expulsa-lo-de-sala-dilacerada-21730771?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo


domingo, 13 de agosto de 2017

Heterônimo.

Prazer, esse sou eu.
Perfeccionista, mas preguiçoso.
Um cansado que não cessa.
Um músico que não canta.
Um escrito não lido por todos. Por poucos.
Um estojo de lápis apontados pouco usados.
Sou papéis, folhas escritas, umas mais, outras menos
Muitas em branco, bem verdade. Aos olhos meus, todas escritas.
Um pacote de ideias, todas ótimas.
Talentos, habilidades não aprimoradas. Vazias.
Falta-me praticidade, senso. A vida exige isso.
Sei muito, sei muito que outros não sabem
Não importa. Nunca fez diferença. Pra quê?
Um dia de sol forte longe da praia
Um dia de chuva olhando para o mar
Sim, às vezes dou sorte. Bem sabes.
Tropeços e quedas.
Ralados, cortes e cicatrizes.
Remendos de vidas, remendos de sonhos.
Ideais meus, alguns alheios. Apossei-me deles. São meus agora.
Somos tantos outros, coisas, palavras, pessoas.
Somos mantos de retalhos, intermináveis.
Sou tantos que nem sei quem sou.
Sou todos os eus que conheci. Eles vieram e ficaram.
Além dos que ainda virão. Sou interminável.
Confesso que estou curioso.
Quero me conhecer mais.
Quero ver o meu próximo eu a chegar.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Domingo.

Quando acordo em um Domingo, percebo logo que é um dia diferente dos outros.
Não apenas por ser um dia de descanso, relaxamento, mas há algo singular nesse dia.

O som do Domingo. Será que alguém já reparou na sonoridade desse dia? Dependendo de onde mora, não há. Sem fazer puxa-saquismo a Simon & Garfunkel, apesar de merecem uma feriado internacional, é o som do silêncio a que me refiro. Há menos carros circulando, menos ônibus e o barulho que impera, quando há, são vozes, passos, latidos, enfim, sons quase imperceptíveis caso estivéssemos em qualquer um dos cinco dias úteis. Até mesmo o Sábado é um dia mais lento, mas nada se compara ao marasmo, por vezes insuportável, do Domingo.

Isso me lembra um pouco as madrugadas.  Há Domingos que são tão lentos quanto uma Terça-Feira às 02h00 da manhã. Ouvimos nem vozes, passos então... . Ouvimos, quando passam, carros e aquele som de frescor que deixam para trás, um de cada vez, pois não há tráfego intenso tão tarde; pelo menos onde moro e digito esse texto agora.

Engraçado que já percebi até a coloração de um Domingo especial. Parecia-me diferente de uma Segunda ou Terça-Feira de sol. Os dias da semana me parecem sempre mais claros e o sol, mais forte. Mas isso aí eu atribuo a minha preguiça mesmo. O sol jamais brilharia mais forte apenas para castigar os assalariados que batem ponto às 7h da manhã. Sol é natureza e a ela, toda veneração e admiração. Eu é que não ousaria desafiá-la. Deus me livre!

Afinal de contas, por que há tanto preconceito contra o Domingo? Só porque é véspera de Segunda-Feira? O problema seria contra a Segunda-Feira e seu impiedoso senso de “ainda faltam cinco dias para o próximo fim de semana”? O problema seria ter a casa cheia naquele dia dedicado à reclusão absoluta? Talvez seriam aqueles programas de televisão que mostram a espúria face do brasileiro, sem cortes ou filtros. Alguma razão há de haver. Também não podemos culpar a lua e os astros por tudo que acontece em nossas vidas.

Percebi isso no último Domingo. Gosto de prestar atenção a essas besteiras que para nada servem. Vazios que são pensados em uma manhã cinzenta do primeiro dia da semana. Na verdade, nem se trata de gostar ou não. Quando percebo, lá estou eu, pensando no que as formigas que vi no dia anterior andando na beira de uma via expressa estão a fazer naquele momento. Talvez estejam em suas tocas; ou mortas, o que acho mais provável. Inutilidades. E elas, na minha opinião, são piores do que as futilidades. Nessas você ainda gosta de alguma coisa; naquelas, apenas constata que tudo aquele foi... perdido.

Não considero o Domingo um dia como os outros. É um dia qualquer para alguns, de folga para outros. Ou seja, o Domingo é como se fosse a nossa vida dentro do cotidiano. Enquanto uns crescem, outros sucumbem. Em todos os sentidos possíveis. Nunca será tão massacrado como uma Segunda-Feira, muito menos venerado como a Sexta-Feira - que é apenas mais um dia de trabalho; nunca entendi direito toda essa adoração por esse dia – e tão pouco relaxante e macio como um sábado. É um dia neutro, sem ondas ou marolas.


Eu diria que se trata de um dia moco. Apenas isso, moco. 

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Medo.

Acho que o pior dos sentimentos é o medo.


Pessoas matam, morrem, destroem. E tudo isso por medo, essa sensação terrível que nos povoa, finca raízes profundas, tão profundas que chegam a ferir nossa alma.


Prefiro dor a medo. Sinto-me vulnerável, pequeno, incapaz de levantar meus olhos para ver meu semelhante. É uma agonia que nos consome, suga cada grama de força que possuímos. Ficamos exauridos, secos como um apanhado de pedregulhos que se amontoam após a morte de um algum rio.


Tenho medo de ter medo. Ah, isso também é terrível demais. Situações que nos colocam nessa posição são torturantes. Por exemplo, estar em meio a uma turbulência violenta em um avião. A simples possibilidade de morrer naquele momento e sofrer para tal faz as pessoas perderem o equilíbrio; ou estar em meio a um fogo cruzado, algo que pode acontecer com qualquer um, principalmente cariocas, como eu. Será que levarei um tiro e terei muita dor? Será que morrerei? Será que verei alguém ser morto na minha frente? Medo! Medo! Medo!Acho que me habituei a ter medo. A frequência me ensinou. Contudo, não consigo me acostumar com os sentimentos oriundos desse estado. E nem há como. São tão vivos; pungentes, agudos e afiados. Quase desesperador, diria. Se choro, apenas quando meu medo ultrapassa os limites que eu mesmo me impus. E olha que eu já aumentei a barra diversas vezes, em uma tentativa de manter o controle.


Nem sempre dá. Por vezes, tenho cheias, enchentes, deslizamentos de medo. E a barra vai pro beleléu. É levada pela enxurrada.O medo me incomoda. Não tenho paz enquanto estou com medo. Como ter? Porém, acho que o pior medo é o do desconhecido. Como será o futuro? Pior do que o presente? Melhor? Pelo andar da carruagem, apostaria em algum avanço? Ou retrocesso? Como eu queria ter certeza.


Às vezes, sinto que daria tudo a alguma cartomante ou vidente que fosse para que ela lesse minha sorte e me dissesse como estarei daqui a algum tempo.

Mas desisto. Repenso e desisto.

Tenho medo.