terça-feira, 21 de abril de 2020

Breu.


Os dias amanhecem os mesmos
A olhos nus e inocentes
Optantes pela cegueira
Ofuscados pelo sol
Manhãs de luz ou não
Nada os atinge
Nem os toca, sensibiliza
A dor comum
Do inevitável fim de cada um
Caminha a passos largos
Esgueira-se em qualquer esquina
Na soleira da porta
Debaixo dos sapatos que visitam
Nos braços que edulcoram a saudade
Na boca que mata o desejo
Ansiamos pelo simples
Perdemos o toque
As horas passam, mas pouco muda
O ar que nos falta é muito
E a febre, sintoma do caos
Pandemônio, descaso
A noite cai para qualquer um
Do morro ao asfalto
Da lata ao ouro
Toda lágrima tem o mesmo sal
Cada inexistência é um livro encerrado
A dor de lá sinto aqui
Privados da despedida
Ceifados da chance de vida
Condenados, coitados
A penumbra não cessa
Astro-rei nenhum clareia
Estrelas não guiam
Só a cavalaria avança e leva
Puxa e arrasta pelos cabelos
Despertamos para um novo dia
Azul do céu, vento ameno e nuvens brancas
Porém, a noite continua
Álgida dia após dia
Sem data para amanhecer.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Farol.



Poderia ser pior
Como se fosse possível
Mas, é
Seria ainda mais desastroso
Imprecisões nos encurralam
Pavores renováveis
A agonia solidifica-se
Asfixia-nos sem piedade
No presente, temos medo
E temo temer por muito tempo
Temeremos, que jeito
O jogo mudou
Perdemos as cartas
O vento carregou
Trouxe-nos um verso
Não faça planos
Poupe-se da frustração
Salve-se da dor
Ainda dá, ainda é possível
Atenha-se ao afago do agora
Enrole-se nesse calorzinho
Pode ser passageiro, quem sabe
Ter consciência tornou-se um fardo
Saber hoje é dor
Queria viver obtusamente
Alheio à realidade, que nos é vilã
Junto dos novos conterrâneos
Bestas que são; felizes
Assertivos
A estupidez anestesia
Tolice e cachaça são sinônimas
Quero um porre de imbecilidade
Esquecer do horror
Da atrocidade de um quintal de egoísmos
A fobia pelo fim inevitável
Poderia ser pior
Tua figura
Seus olhos e sons
Minhas memórias nossas
Minhas esperanças concretas e vagas
Meus planos nossos
Ânsia de vida, minha e tua
Filete de sol
Fagulha
Rumo
Norte
Poderia ser pior
Doeria mais
Faltaria tanto
Sobraria nada

terça-feira, 7 de abril de 2020

Digressão.


Acordar de novo
Novo há nada
Em lugar nenhum das novidades
Não há tempestades maiores
Nem tormentas tantas
Acordar é o exercício constante
Cansativa rotina de existir
O ter que de todo dia
Estar, dizer e respirar
Pagar, chorar e esperar
Às vezes, quero apenas parar
Sentir os meus eus aquietarem
Deixá-los no sol para quarar
As tantas forças de seus dizeres
Sons de vozes diversas
Sonoridade enfadonha demais
Excessivamente pesada
Tudo isso me suga;
Esgota-me.
O silêncio grita mais do que eu calado
Meus espectros de ideias
Planos falhados, nem tentados
Ou tentados e falhados
Misturam-se com esperanças vagas
Mas ainda há, algumas.
O mundo ou o universo comunicam
Prostramo-nos diante da praia brava
Proibida e imperiosa
Obrigatório nosso mergulho diário
E vou às gargalhadas
Sorrir para a onda que me engole
Quero chocalhar da água que engulo
Afoga-me e eu regozijo.
A vida e seus vieses.
Sou obrigado a achar graça da dor
Não me deixam penar
Doer pela dor e somente por ela
Nem se eu quisesse
Nem doer eu poderia
Tenho que debochar
Zombetear minha razão de ser
Anestesiar o pranto
De talvez não chegar a ser
Contentando-me ao quase
Ou à esperança de um dia.