quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Reincidente.


O dia começou mais leve.
Abri os olhos, lentamente
Sem a sensação de peso.
Cabeça zonza, sensível.
Já tinham sido tantos dias de dores latejantes matinais
Porém, hoje foi diferente.
Levantei-me bem disposto;
Vigoroso, focado.
Pela primeira vez...
Tua lembrança parecia um pouco distante.
Creio que seja um tipo de conformação...
Passividade talvez, não sou passivo.
Mas... que escolha tive?
Já fui motivos de alegria...
O que agrada, alegra... revigora.
Tornei-me um estorvo, não é mesmo?
Aquele que atrapalha, que gera repulsa...
“Persona non grata”, veja só... .
Uma hora cansa... a gente vira a página.
O bonde segue, os acontecimentos nos atropelam.
Somos obrigados a sair de nossos mundos...
Para encararmos nossos papéis na vida prática.
Mente vazia é oficina do mal.
Minha mente nunca esteve vazia... até queria.
Experimentei períodos de “nadas” na cabeça...
Dias de “nadas” a se preocupar, “nadas” a fazer...
Nada disso me desconsertou, tirou-me do eixo...
Muito menos gerou-me dores de cabeça matinais por 10 dias
Ininterruptos.
Desejei muito que estivesse sofrendo apenas de “mente vazia”.
Não, quefazeres sempre existiram, clamavam por mim.
O sol invadia meu quarto, não havia pedaços teus em canto algum.
Via o que via antes de ti.
Apenas eu. Eu e meu passado, minhas memórias.
Abatidos todos, sem gemidos.
Sem qualquer manifestação. Tranquilidade. Paz.
O dia passou como uma flecha, a visão de um relâmpago.
Dei-me conta de que... sem notar... já era noite. Que alegria!
Tempos difíceis nos fazem reparar em bobagens
Naturais e imperceptíveis até nos faltarem.
14 meses em 14 dias, intensos, tão ferrenhos.
Contudo, hoje... ah, hoje...
Nem vi... ninguém viu. Foi. Assim, “pá-pum”.
As atividades corriqueiras da noite me tomaram.
Entretenimento, conversas.
Uma satisfação ímpar ter suavidade. 
A real definição de “deixar a vida seguir” foi hoje.
Seria um começo do recomeço.
Daí veio o nome;
A foto;
O sorriso;
As lembranças...
A saudade.
Tudo voltou tão depressa.
Uma onda apocalíptica me engoliu por inteiro...
Arrastou-me, dobrou-me os braços...
Arranhou meus joelhos na areia pedregosa.
As águas me surraram, sem chances de reação.
Tentativas de lutar só me cansaram.
Fui tragado para longe da costa...
Inconsciente... não estava pronto.
Aspirei as águas...
Engoli litros...
Um bêbado fugido da reunião...
Já no bar da esquina com sua "branquinha".
Faltou-me forças;
Faltou-me fôlego;
Faltou-me ar.
Afoguei-me.
Novamente
Em ti.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Expectativas.

Cheguei a criar expectativas.
Eu sempre as achei dóceis, meigas...
Que seriam capazes de me ajudar a dormir
E a levar a vida de forma mais natural.
Cria na capacidade delas me confortar
Serem companheiras, daquelas que nos aguardam chegar a casa
E nos recepcionam na porta, cheias de esperanças;
Esperanças minhas de um futuro próximo, sem demoras.
Ah, essas meninas... confiei nelas.
Achava que seriam a morfina da minha espera.
Eu ignorei os alertas. E, olha... foram muitos.
Disseram-me sobre os riscos de tê-las tão perto de si.
Que são mansas, porém, corrosivas...
Uma dose de ácido que devora o interior,
De baixo para cima.
Não deixa nada... devoram-nos com avidez.
Quanto mais as alimentava,
Mais elas queriam, ansiavam...
Assemelham-se a cupins, acho.
Aliás, cupins, vocês estão perdendo...
Chamem-nas para um chá e arranque delas seus segredos.
Mas... quer saber? Já não as crio mais!
Estou deixando-as morrer à míngua.
Não tenho mais como alimentá-las... pesado.
Eram famintas, esganadas... pobre de mim.
Sugaram o que eu tinha, o que eu não tinha...
Entrei no cheque-especial das forças, dos sentimentos.
Endividei-me, perdi a paz.
Já me atacaram, várias vezes.
Durante o sono, sempre durante o sono.
Enquanto sonho fitando o teto do quarto,
A parede invisível na escuridão do cômodo...
Pulam em mim, mordem meus pés...
Arranham-me, ferem meu peito
As unhas ficam na carne, rasgam abruptamente.
Eu as criei, eu as alimentei:
Dias de alegria, sorrisos espontâneos...
Frases feitas, não feitas, ditas e não ditas;
Momento que não cheguei a viver, fantasias...
Visões de “poderia ter sido”
“Seria”, “faria”, “diria”...
Tolices tolices tolices.
Sou o único responsável pela dor da ilusão.
Agora, parei.
Que morram de fome!
Secas, decompostas.
E rápido, só peço que morram logo,
Pois a todo momento...
Uma delas agoniza, geme...
Emana um sopro da vida que ainda lhe resta.
Lutam pela sobrevivência,
São robustas, força não lhes faltam.
Resistem a tudo, mas eu...
Eu acabo por me arrepender de tamanha judiação.
Abraçam-me os sonhos novamente.
Sinto o falso calor das minhas fantasias me envolver...
Uma onda morna que entorpece, engana.
Não resisto.
Limpo a caminha delas...
Troco a água turva...
Solto-as pela casa e elas correm
Desesperadamente para seus pratos
Que, mais uma vez, estão cheios.
Eu os enchi.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Queda.



Pois é, eu caí.
Acreditei e caí.
Poderia ter me precavido...
Meu desconfiômetro estava até ligado no começo...
Mas eu o desliguei
E o mandei pra fruta que pariu.
Arrisquei mesmo...
As fichas todas, de uma vez só.
Tirei os trocados do bolso,
Cédulas amassadas, moedas.
Joguei tudo na mesa,
Apostando na sorte da roleta;
Aquela roleta que nunca tinha me falhado
Até hoje.
Que tombo, que... tombo.
No meio da dança, da festa...
Em pleno apogeu da folia
Levei uma rasteira pesada!
Caí de costas, com a perna dobrada,
Por cima do braço,
E ainda bati a nuca na quina da calçada
Suja da lama que restava do último temporal.
A dor era tanta que mal me mexia;
Não ouvia, muito menos falava.
Ali fiquei por dias.
Também não quis ajuda.
Tinha que levantar-me sozinho.
E que cena patética deve ter sido...
Um homem de barba na cara,
Uns fios brancos já antevendo a grisalhice,
De braço torcido,
Perna quebrada,
Costas raladas,
E roupa suja.
Quem ria? Eu mesmo.
Não havia como prever, de fato.
Qualquer um cairia do mesmo jeito estúpido,
Mas eu? Logo eu?
O cara mais atento, mais tenaz...
Conselheiro sentimental de carteirinha...
O ouvinte mais requisitado da região...
Experiente, currículo de primeira, variado.
Na verdade, foi descuido.
Eu até tinha percebido algo estranho...
Tentei me afastar, a princípio
Mas deixei-me levar
Pelos momentos de alegria,
Horas de intimidade;
Toques de carinho, singelos, importantes;
As palavras eram as que eu queria ouvir;
Convites irrecusáveis de alegria.
Divertimo-nos bastante!
Como eu amava cada minuto...
Sentia-me parte de tudo.
Era incluído, não me incluía;
Nada pedi, me pedia.
Como não se entregar?
Não tive tanta culpa assim.
Na verdade, ninguém teve culpa alguma.
Mas... veio a lambada... veio em cheio...
E o resto eu já contei, não me faça repetir em detalhes
O momento em que eu
Tão esperto, sabedor dos mistérios dos sentimentos,
Virei estatística.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Bonança.


Há coisas que não são para ser
Quando queremos que elas sejam.
Confuso entender, pior ainda é aceitar
Que a maré é mais forte.
Não há braço que domine o leme,
Nem vela que controle a direção.
O jeito é um só:
Deixar o barco seguir ao sabor do vento.
E ver... no que vai dar...
Onde e se vai parar.
Por que sofre tanto insistindo
Em tentar ter o domínio de tudo
Quando somos apenas pedaços de peças
Presunçosos por achar que temos alguma importância?
“Nossa, sem mim, isso aqui não anda”
Ah anda... sempre andou.
O movimento é cíclico, sobe e desce, sobe e desce.
Então, pra que lutar tanto
Se as escolhas já foram feitas
E os acontecimentos já estão previamente acordados?
Não, não se irrite mais.
Cresça, entenda... é a vida.
São as vidas, sua e dele.
Que se cruzaram, complementaram-se,
No intervalo entre atos;
Num “gap” de fases.
Assim não adianta.
Essa terra ainda não se permite permear agora.
Mesmo com as melhores condições
Climáticas, eólicas, afetivas...
De que adianta toneladas de querer?
Em chão desprovido? Nem insista!
O tempo de plantar está chegando.
Acalme-se, rapaz mimado, enjoadinho.
Cadê sua maturidade? Já é um homem feito!
Fatos são fatos, aceite!
Ainda não é hora.
Guarde seus grãos carinho, seu calor.
As tempestades estão quase no fim.
Aquele tom alaranjado do horizonte é a resposta;
Vem muito sol por aí.
Não se engane pela terra surrada,
Pela aparência sofrida pelas águas e pelo vento.
Ali é terra da boa! Nasce de tudo lá.
Um tempo de campos verdes se aproxima;
Confiar para florescer, sem pressa.
Nada é tão ruim que dure para sempre.
Tem que esperar, seu menino... tem que esperar...
Cada coisa tem um tempo certo de ser.
Há flores que só nascem em uma determinada época;
Há frutos que não dão em Fevereiro.
Há tantos outros meses pela frente...
A hora está chegando, rapazinho...
Veja, você mesmo já percebeu isso!
Guarde seu saquinho de grãos,
Pegue seu regador,
Enxugue esses olhos,
Volte pra casa...
Sem revolta! Não seja egoísta!
E dê tempo a quem pede tempo.
Seria desperdício de tanto... você sabe. Aguarde.
Quando a luz quente penetrar seus olhos ao amanhecer
Saberá que chegou o dia.
Daí, sim, corra e espalhe tudo que há de bom em você.
Não deixe que sobre um farelo que seja;
Jamais economize nessa hora.
Regue com a água mais pura que emana do seu peito;
Deseje com pensamentos autênticos aquele dia;
Depois refestelem-se à árvore favorita
E assistam da sombra,
Com as mãos dadas,
E as cabeças juntas,
Em uma tarde apolínea de céu azul e nuvens brancas...
O enflorar do amor.

Mar.



Entre afazeres corriqueiros
Domando meus fantasmas irrequietos
A janela revela um céu azul
Uma luz sedutora a mim
Que me transporta em meus pensamentos
Rompantes de momentos
Ah, eu quero o mar
Um abraço forte das águas
O envolvimento das ondas
O preocupar-se com a correnteza
Deixo me levar, até gosto.
Permito-me ser conduzido.
As águas sabem o que fazem.
Testemunham a vida de camarote
Atentas aos colóquios, amenidades
Comunicam-se, expressam-se
Elas nos recepciona, há de haver respeito
Também nos expulsam, há de haver obediência
Não desafio o mar
Sou um nada diante de seu exército
Apenas um admirador de sua imponência
Do poder que emana em seus movimentos
Seu humor instável como a vida
Surpreende-nos, por vezes
Palco de tragédias
Morada da vida
Mandatário do fim e do começo
Fere-nos de propósito
Por desatenção... nossa
Apaga as chamas do sol todo fim de tarde
Uma força atrativa a qual o astro-rei
Não consegue resistir
Até mesmo o Sol sucumbe ao mar
Como mantém sua vivacidade por milhões de anos
Um dinamismo em eterna renovação
Resiste a tudo, invencível
Almejo ser amigo do mar
Amigo mesmo, parceiro
Visitá-lo sempre
Abrindo-se para mim, saberei seus segredos
Contar-lhe-ei meus mistérios
Compararei com os meus
Quem esconde mais?
Quem tem águas mais profundas
Onde a luz não alcançará jamais?
Gueto de criaturas perigosas
Irreveláveis para mim e todos
Desconhecimento intencional
Temos tantas afinidades, fundamentais
Traços indiscutivelmente semelhantes
Hoje, meu maior desejo
É ser íntimo do mar.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Sensível



Pobres de nós, os sensíveis;
Aqueles que sofrem e sofrem
Por tantas e tantas miudezas enormes
Vazias cheias de conteúdos
Quase sempre nefastos.
Sou um sensível convicto!
Sinto cada palavra
Dita com amor, carinho
Daquele jeito leve, melódico
Um vocativo especial quando usado
Provoca alegria, entusiasmo
O tom lento, voz baixa
Como se houvesse medo de agredir
Importando-se com a minha sensibilidade
Tão exacerbada, meu Deus.
Sinto cada gesto
Um tocar o braço enquanto conversa
Ou sem nada dizer, apenas o toque.
E quando os dedos se perdem em meus cabelos...
Ah... sinto-me querido
Querendo que eu esteja ali.
Passa por mim, um beijo roubado
Entre um afazer e outro.
Na cozinha, preparando o jantar
Preocupado em me agradar,
Preocupa-se se aprovarei o que fez
Vejo a satisfação ao perceber
Que eu adorei.
Sinto cada olhar
Enquanto falo, distrai-se
Sei que estava a me contemplar.
No amanhecer, no silêncio,
Velando um sono profundo e recompensador;
Olhando e pensando, refletindo e agradecendo.
Sinto mesmo que dormindo
Uma paz que embala o dormir
Tal qual uma televisão ligada em voz baixa, muito baixa
Sinto tudo
Sinto demais
Como se meu corpo fosse revestido de seda.
Tenho hipersensibilidade à indiferença;
Intolerância à desdém;
Incapacidade diante do gelo
Que, por vezes, compõe as palavras.
Ou da ausência delas, diga-se de passagem.
Nós, os sensíveis, sentimos além.
Vamos do céu ao inferno;
Entre uma palavra e outra
Vivemos em extremos,
Sabemos como fere
Lidamos sempre com alguma espécie de dor
Não brincamos com ela
A sensibilidade, cujo cerne são os sentimentos,
É muito preciosa.
Cuido da sua;
Cuide da minha.